quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

A GRIPE DO SNS



Estou convencido que partilho com muitos leitores de alguma nostalgia pelos tempos particulares que vivemos nas décadas de 70 e 80 do século passado, quando trabalhámos arduamente no processo de construção do Serviço Nacional de Saúde. 
 
Dar corpo às decisões políticas que o Dr. António Arnaut e o Professor Mário Mendes tinham daqui levado para Lisboa e que era preciso realizar por todo o país, não foi um processo fácil. Era todo um mundo novo de ideias, de conceitos e de organização que uma nova geração de profissionais da saúde – como dedicados apóstolos – procurava, num quotidiano de dificuldades, levar à prática.

Naqueles tempos as convicções eram profundas e havia uma dinâmica de trabalho que não dependia tanto do que se ganhava mas, sobretudo, do que se dava. Havia um enorme e partilhado idealismo e quando se começaram a sentir os primeiros grandes efeitos na melhoria da saúde dos cidadãos, particularmente na área da saúde materno-infantil, ganhou-se a convicção de que tinha merecido a pena o esforço.

Tínhamos trabalhado bem na construção de um Serviço que tinha trazido bem-estar, melhor qualidade e mais anos de vida aos cidadãos e que era um fator de coesão social e de óbvio desenvolvimento do país. Nessa altura havia um brilhozinho dos olhos quando dizíamos que trabalhávamos na saúde. Tínhamos conseguido interpretar e levar à prática políticas corretas de verdadeiro interesse nacional e agradecíamos aos deuses o privilégio de ter tido no momento certo no Ministério da Saúde, um político com a dimensão do Dr. António Arnaut.

Os anos foram passando, muito do idealismo foi-se perdendo, e o equilíbrio que uma boa saúde pressupõe deu azo a excessos, a abusos e a desperdícios que uma situação de crise financeira conjugada com uma rotineira temporada de gripe veio evidenciar de modo insofismável. É na verdade estranho e triste estar a assistir em direto à implosão de serviços altamente sofisticados por força de uma simples gripe. 

É bom que tenhamos em conta esta lição e que não deitemos a perder o essencial daquilo que foi sendo construído com sucesso. Há uma dimensão política que tem de ser devidamente equacionada, uma dimensão técnica e ética que tem de ser considerada e uma dimensão social e de consciência coletiva, pelo que se está a passar na saúde, que exigem reflexão.

Não há crise que justifique tudo e não é possível esquecer que um dos garantes de paz social que temos tido e que tão importante tem sido no desenvolvimento do país é o Serviço Nacional de Saúde, pelo que é urgente atacar as verdadeiras causas que estão a provocar a infeção do seu sistema respiratório.

(Artigo publicado na edição de 29 de janeiro de 2015, do Diário de Coimbra)

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