quinta-feira, 24 de abril de 2014

DESIGUALDADE. DESCRENÇA. DESILUSÃO.



1. Faz amanhã 40 anos que nos abriram as janelas e as portas, nos permitiram respirar e saborear as madrugadas. Os caminhos competia a nós escolher, tendo como trajetos iniciais: a Democratização; a Descolonização; e o Desenvolvimento. Apesar de todas as imprudências da liberdade não sabida, saímo-nos bem. Em poucos anos - pobres, sem mundo, sem educação e sem cultura -, fizemos coisas notáveis. Reafirmámos, em paz, o estatuto de mais antiga nação da Europa, acabámos com o colonialismo que nos corroía, acolhemos fraternamente e integrámos milhares de cidadãos que retornaram a uma casa de que se dizia faziam parte e fomos conquistando educação, ciência e saúde. Fizemos novas escolas, novos hospitais, novas estradas e novas rotundas sob as quais passam as condutas de água e saneamento. Muitas vezes não tão bem como deveria, mas quem sabia assim tanto para conseguir a perfeição?! Desenrascámos vezes de mais e planeámos pouco e talvez mal. Continuámos pouco organizados. Esbracejámos muito e fizemos menos do que devíamos, mas será que nós não somos mesmo assim?


Hoje, porque esquecemos tanta coisa, acabamos por dizer heresias sobre os méritos do passado e os defeitos do presente, e sobretudo tentamos esconder que fomos nós que, para o bem e para o mal, fizemos tudo isto. O que não é possível deixar de rejeitar é o caminho ultimamente trilhado a que falta sabedoria, fruto de um deficit notório de qualidade das elites dirigentes, de uma ideologia abjeta de exploração humana e de uma postura de subserviência despudorada a interesses e instâncias sanguessugas que com base numa retórica de medo nos trouxeram: desigualdade, descrença e desilusão.

Mas amanhã saberemos reagir. Vamos buscar forças a Abril de 74. Mesmo aqueles que não viveram esses dias vão aí encontrar inspiração e acredito que terão a coragem necessária para, no mundo aberto em que vivemos, vencerem o medo e perceberem que não é possível, em simultâneo, aplaudir o Papa e obedecer á troika. Há escolhas a fazer e decisões urgentes a tomar.  

2. Vai fazer 40 anos, no próximo dia 1 de Junho, que Miguel Torga fez o discurso de abertura do primeiro Comício Socialista realizado em liberdade, em Coimbra e do qual me atrevo a transcrever um trecho: “Não será, pois, com sistemas e métodos alheios, por apressada conformidade mimética, que poderemos realizar o milagre de permanecermos simultaneamente de bem com o nosso semblante constitutivo e lançados na senda progressiva da democracia. Só o conseguiremos mediante soluções originais, específicas, em que estejam empenhados o nosso temperamento, a nossa tradição municipalista, a nossa cultura, e seja devidamente considerado e aproveitado o nosso condicionalismo geográfico e étnico. Teremos numa palavra, de fazer um grande esforço de renovação pensada e ousada, à nossa medida.”   

Obrigado a todos os que me permitiram viver e escrever livremente nestes últimos 40 anos. Até amanhã!

(Artigo publicado na edição de 24 de Abril de 2014, do Diário de Coimbra)

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