1. Faz amanhã 40 anos que nos abriram as janelas e as portas,
nos permitiram respirar e saborear as madrugadas. Os caminhos competia a nós
escolher, tendo como trajetos iniciais: a Democratização; a Descolonização; e o
Desenvolvimento. Apesar de todas as imprudências da liberdade não sabida,
saímo-nos bem. Em poucos anos - pobres, sem mundo, sem educação e sem cultura
-, fizemos coisas notáveis. Reafirmámos, em paz, o estatuto de mais antiga
nação da Europa, acabámos com o colonialismo que nos corroía, acolhemos
fraternamente e integrámos milhares de cidadãos que retornaram a uma casa de
que se dizia faziam parte e fomos conquistando educação, ciência e saúde. Fizemos
novas escolas, novos hospitais, novas estradas e novas rotundas sob as quais
passam as condutas de água e saneamento. Muitas vezes não tão bem como deveria,
mas quem sabia assim tanto para conseguir a perfeição?! Desenrascámos vezes de
mais e planeámos pouco e talvez mal. Continuámos pouco organizados.
Esbracejámos muito e fizemos menos do que devíamos, mas será que nós não somos
mesmo assim?
Hoje,
porque esquecemos tanta coisa, acabamos por dizer heresias sobre os méritos do
passado e os defeitos do presente, e sobretudo tentamos esconder que fomos nós
que, para o bem e para o mal, fizemos tudo isto. O que não é possível deixar de
rejeitar é o caminho ultimamente trilhado a que falta sabedoria, fruto de um deficit notório de qualidade das elites
dirigentes, de uma ideologia abjeta de exploração humana e de uma postura de subserviência
despudorada a interesses e instâncias sanguessugas que com base numa retórica
de medo nos trouxeram: desigualdade, descrença e desilusão.
Mas
amanhã saberemos reagir. Vamos buscar forças a Abril de 74. Mesmo aqueles que
não viveram esses dias vão aí encontrar inspiração e acredito que terão a
coragem necessária para, no mundo aberto em que vivemos, vencerem o medo e
perceberem que não é possível, em simultâneo, aplaudir o Papa e obedecer á troika. Há escolhas a fazer e decisões
urgentes a tomar.
2. Vai fazer 40 anos, no próximo dia 1 de Junho, que Miguel
Torga fez o discurso de abertura do primeiro Comício Socialista realizado em
liberdade, em Coimbra e do qual me atrevo a transcrever um trecho: “Não será, pois, com sistemas e métodos
alheios, por apressada conformidade mimética, que poderemos realizar o milagre
de permanecermos simultaneamente de bem com o nosso semblante constitutivo e
lançados na senda progressiva da democracia. Só o conseguiremos mediante
soluções originais, específicas, em que estejam empenhados o nosso
temperamento, a nossa tradição municipalista, a nossa cultura, e seja
devidamente considerado e aproveitado o nosso condicionalismo geográfico e
étnico. Teremos numa palavra, de fazer um grande esforço de renovação pensada e
ousada, à nossa medida.”
Obrigado
a todos os que me permitiram viver e escrever livremente nestes últimos 40 anos.
Até amanhã!
(Artigo
publicado na edição de 24 de Abril de 2014, do Diário de Coimbra)
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