domingo, 6 de fevereiro de 2011

BOMBEIROS A PATACO


O Dr. Rui Rio veio, na qualidade de presidente da Junta Metropolitana do Porto, propor que se “pegasse nos muitos bombeiros voluntários e se criasse um batalhão à escala metropolitana”, conseguindo, assim, “maior eficácia e menores custos”.

Não sei se esta inopinada proposta tem fundamento nalgum estudo concreto, que permita concluir qual o aumento da eficácia e quais as economias conseguidas com aquela solução ou, se pelo contrário, se tratou de um mero palpite, o que a acontecer parece não se coadunar com a imagem de grande rigor e competência com que se apresenta.

A questão merece, contudo, reflexão, não na mera perspectiva da estruturação da protecção civil e do papel dos bombeiros na área Metropolitana do Porto mas num contexto mais alargado, porque a questão tem de ser equacionada a nível nacional uma vez que a ser adoptada no referido território tenderia, inevitavelmente, a estender-se a todo o país.

Ao apresentar a sua proposta o Dr. Rui Rio adivinhou logo a dificuldade da solução, só que a sustentou em “resistências a diversos níveis”, argumentário fácil e frágil, tanto mais que há boas e legitimas resistências de defesa do interesse dos cidadãos, do interesse colectivo e do interesse do país.

Maior eficácia e menores custos com os bombeiros, são duas ideias sustentadas numa visão tecnocrática e economicista da missão dos bombeiros voluntários e das Associações Humanitárias em que se inserem, esquecendo a história dessas associações, o seu papel social, cultural e a visão humanista que levou à sua criação. Mais, revela um profundo desconhecimento dos mecanismos de recrutamento voluntário e de tudo aquilo que subjaz de enquadramento grupal e de integração social que as corporações de bombeiros voluntários permitem.

Os bombeiros voluntários têm sido a espinha dorsal da protecção civil no país, no país real e profundo, em que os cidadãos ainda se juntam não para discutir a partilha de prebendas mas para aprender a combater um fogo, a acudir a uma vitima de acidente, ou a salvar um concidadão e a proteger os seus bens.

Há uma ideia e um espírito de missão em acção, em movimento, todos os dias por esse país fora, que serão inevitavelmente colocados em crise com uma macro organização como a preconizada pelo Dr. Rui Rio. Aliás, a primeira e inevitável consequência seria a de uma profissionalização dos bombeiros com encargos acrescidos, contrariando a tese poupadinha do Dr. Rui Rio.

Está, por isso, profundamente errado o Dr. Rui Rio. No dia em que houver uma estrutura formal, obrigatória, com enquadramento de natureza institucional, seja de âmbito municipal, regional ou nacional o que o Dr. Rui Rio terá são bombeiros profissionais, à semelhança, aliás, dos bombeiros que já tem no Batalhão de Bombeiros Sapadores que integra a Câmara, a quem terá de pagar de acordo com uma carreira profissional, aumentando exponencialmente os custos em recursos humanos.

2011 foi declarado pelo Conselho de Ministros da União Europeia “Ano Europeu das Actividades Voluntárias que Promovam uma Cidadania Activa” pelo que talvez seja um bom momento para reflectir se pretendemos continuar a ter no nosso país o privilégio da existência de organizações de cidadãos voluntários, como são as associações humanitárias de bombeiros, muitas delas centenárias, que emergindo da sociedade civil são um património de valores e uma solução concreta para muito dos problemas de socorro e segurança dos cidadãos, ou se pretendemos sacrificá-las à luz duma imponderada visão tecnocrática e economicista, sem sustentação técnica ou económica fundamentada.

Num tempo de egoísmos e de exacerbada competição o que o Dr. Rui Rio nos propõe é que abdiquemos do esforço voluntário e solidário de milhares de homens e mulheres, organizados em torno das suas associações, para passarmos a ter pretensos bombeiros voluntários a pataco.

Nota: Artigo publicado na edição de 6.2.2011,  do Jornal de Notícias.

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