quinta-feira, 28 de maio de 2020

O BURACO NEGRO DA CULTURA

A candidatura de uma cidade a Capital Europeia da Cultura é um acto altamente responsável que não pode ter em conta apenas a história, percepções, ou ser uma “jogada” política. Impõe, isso sim, um conhecimento real da importância do seu tecido cultural no contexto europeu e das potencialidades que essa candidatura poderá representar.

Aliás, o processo de candidatura é logo à partida um cartão de visita, e uma eventual derrota não se traduz num mero momento de frustração mas significa um erro de avaliação e, mais grave, um carimbo de falta de mérito.

Estou certo, por isso, que a decisão de candidatar Coimbra a Capital Europeia da Cultura em 2027 foi suficientemente ponderada, e que será desprestigiante e traumatizante se não vier a ganhar vencimento a nível nacional e internacional.

Obviamente que não há que ter a ilusão de que o Mondego tem condições para afrontar o Sena ou o Tamisa, mas há que perceber se de entre as cidades médias europeias Coimbra tem e vai conseguir ter em 2027 suficiente relevo cultural para não vir a ser atirada para uma ridícula ignorância.

Temo que, vivendo nós muito do passado, a nossa candidatura não vá ser um desastre e este temor foi agora exponenciado com a crise pandémica que estamos a viver..., e por quê?


Porque de todas as áreas da nossa vida colectiva a que tem sido dada atenção no nosso município não há uma referência à cultura, à vida cultural da cidade, aos artistas e técnicos que trabalham na área e que aqui vivem, muitos deles trabalhadores independentes, e que não têm qualquer outro meio de subsistência.

Aliás, desconfio que não há o mínimo conhecimento institucional do universo de artistas – o seu background cultural - que vivem e trabalham na área do Município.

Assim, como é que o governo de uma cidade que quer ser capital europeia da cultura, num momento difícil como este para os seus artistas os esquece, ao mesmo tempo esquece que a cultura é um bem essencial para a generalidade dos seus munícipes?

Para mais a cidade carece de obras de arte. A polémica estátua da Cindazunda terá sido nos últimos anos a obra escultórica mais relevante colocada no espaço público. Que quadros têm sido adquiridos a artistas de Coimbra e da região? Que espetáculos de ballet foram encomendados pela Câmara? Etc., etc., etc.

Não seria fácil e muito mais barato do que qualquer festa de passagem de ano, em que se paga mais de 60 mil euros a um só artista, fazer uma plataforma informática convidando os artistas do município e da região a apresentar os seus trabalhos a troco de uma pequena compensação financeira, garantindo-lhes uma ajuda na sua subsistência, e permitindo a emergência de novos protagonistas para além de uma permanente actividade cultural no concelho?!

Numa cidade que se quer inteligente e que pretende ser Capital Europeia da Cultura convenhamos que, por estes tempos, a Cultura está confinada num buraco negro e é de temer que no desconfinamento se vá a correr contratar os “grandes” artistas, agenciados pelos grandes empresários, que cobram mundos e fundos, em detrimento daqueles que tentam sobreviver aqui e que têm qualidade e mérito artístico, mas que não querem ou não conseguem entrar na “cadeia de produção” existente e que tudo controla.



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