quinta-feira, 14 de maio de 2020

CONVERSA COM O COVID-19


- Sabes, Covid-9, esta é uma conversa que não me agrada. Primeiro não te vejo para te falar cara a cara, depois porque me dizem que andas por aí, silencioso, à espera de uma oportunidade para me atacar, e isso é desonesto.
...
- O teu silêncio é bem demonstrativo da tua perfídia, mas mesmo assim não quero deixar de te perguntar como foste capaz de dar cabo do mundo que eu conhecia? Diz-me lá o que te levou a trazer tanta morte e destruição de surpresa e de forma gratuita? Tens noção do sofrimento que em poucos meses trouxeste aos humanos de todas as cores e de todos os credos?
- Pois! não respondes porque tudo te é indiferente, queres é encontrar hospedeiros para te ires espalhando, fazendo crer que és um justiceiro, que quer castigar os humanos que se matam em guerras estúpidas, que espezinham os mais fracos e desprezam o sofrimento de tantas crianças, por esse mundo fora.
- Eu, um simples humano cheio de defeitos e imperfeições, que vive uma vulgar vida numa cidade pacifica e bonita, de um país pequeno mas historicamente interessante e importante, não vejo em que é que mereço o teu ódio. Sabes, estragaste-me o ano. Tinha vários projetos, como tantos dos meus amigos e concidadãos, e de repente deste cabo de tudo.
- Por causa de ti não posso conviver com os meus amigos, contra tua vontade porque o que querias era apanhar-nos juntos para te espalhar entre nós, e também não posso percorrer despreocupadamente as ruas da minha cidade e ir à Baixinha comer um pastel de bacalhau e beber um café.
- Sei que não queres saber nem te interessa, mas já pensas-te – tu pensas lá? - das tabernas, dos bares e das tasquinhas que, pela sua pequenez de espaço puseste em crise e consequentemente quantos espaços da minha cidade atacaste mortalmente? E os homens e mulheres que aí trabalhavam, há anos e anos, ganhando pouco dinheiro mas muita riqueza humana, o que vão fazer agora? Diz-lhes – eu sei que tu não vais dizer nada, mas diz-lhes – como vão sobreviver e como é que antigos espaços da cidade de ruas estreitas e sinuosas, vão sobreviver se por tua causa temos de andar afastados?
- Então, e agora que andávamos a apostar nos transportes coletivos, não é que tu vens assustar os seus utilizadores, porque esse será um dos teus locais favoritos para encontrar hospedeiros? E como é que vãos sobreviver os taxistas se tu crias medo e ameaças o seu instrumento de trabalho?
- Eu sei, que nós não tínhamos grandes ideias sobre o futuro de Coimbra, falamos e andamos muito atrás do passado, mas a verdade é que vamos ter de repensar tudo. Temos de revisitar a cidade e os projetos que tínhamos em curso porque tu vieste alterar muitas das escalas e dos conceitos com que trabalhávamos. Obrigas-nos a um violento processo de reconstrução: pessoal; familiar; e coletivo, e a agir com determinação e inteligência, recusando um registo melancólico e saudosista e a procurar (espero bem que sim) uma nova forma de vida vibrante e esperançosa.
- Não sei se tens consciência dos dilemas e das equações com que nos vieste confrontar obrigando-nos a enfrentar duros trabalhos de reconfiguração social e económica. A repensar a métrica urbana, o peso da pobreza e do sofrimento e, ainda, a ter em conta que tendo a cidade um perfil económico de prestação de serviços e de ensino e sendo estas áreas a privilegiar em termos de teletrabalho e de ensino à distância com a presença humana a diminuir, levando a muitas e novas questões.
- Talvez o teu único mérito tenha sido o de mostrar a importância do nosso Serviço Nacional de Saúde e, pensando bem, talvez também tenhas feito perceber como é urgente construir uma Nova Maternidade que não fique encravada num mastodôntico hospital nem sirva de base a um heliporto.
...
- Mas sabes? meu grande f***o da p***a, há coisas que me retiraste e que nunca te perdoarei: as gargalhadas, os sorrisos e os abraços dos meus netos. Só não me tiras-te a esperança de que te vamos vencer.




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