sábado, 12 de setembro de 2015

ATÉ AMANHÃ, EUROPA!



Foi na semana passada. Na esplanada sentaram-se na mesa ao lado. Era um casal na casa dos sessenta. Pediram, com familiaridade, dois cafés. Ele colocou o jornal na mesa e na primeira página estava a fotografia impossível da criança morta, de barriga para baixo, costas para o céu e cara meio enfiada na areia. Arrepiava.

Chegado o café, que foi degustado com prazer, virou o jornal e começou pela última página. Fazia-o lentamente parecendo marcar, pelos títulos, as notícias a ler. As notícias do desporto mereceram uma atenção especial e, algumas, uma leitura imediata.

Chegado novamente à primeira página quebrou o silêncio: “Está tudo maluco. Ninguém me tira da cabeça que são os gajos do petróleo, das armas, do dinheiro… que estão por trás disto tudo.” 

“Achas”, disse ela, afirmando mais do que interrogando.

“E, olha, que também há por aí uma rapaziada a quem dá muito jeito ter mão-de-obra barata na Europa e por isso a vinda de todos esses desgraçados, que são aliciados para viver no paraíso inglês ou alemão. É sangue novo e mão-de-obra barata…Vais ver que daqui a dias assim como começou, acaba. Logo que tenham as necessidades satisfeitas.” Acrescentou ele e voltou a abrir o jornal.  

Entretanto ela seguia com o olhar um casal, com ar feliz, que passava com uma criança, pela mão, cheia de vida. 

Mais uns momentos de leitura, ele fecha o jornal e com ar distante comenta: “Sabes, nunca pensei que viéssemos a assistir a isto. Já viste como é que puseram uma cambada de loucos a matar gente e a destruir monumentos históricos na Síria… Tanto poderio militar, tanta coisa e depois não são capazes de acabar com uns milhares de fanáticos. Os americanos andaram a incrementar os seus negócios na zona, deram cabo daquilo e agora assobiam para o lado. O Obama anda pelo Alasca a dançar e a fazer selfies. E, mais, ou me engano muito ou ainda vamos descobrir que uns tantos países ocidentais, dito civilizados, os andaram a financiar, como já fizeram noutros sítios.” Fez uma pausa e concluiu: ”Agora ainda vai haver o folclore da caridadezinha…”

Parecendo não o ter ouvido ela sugere: ”Olha, vamos fazer o euromilhões. Anda lá!”

Ele acenou à empregada - ia apostar que era uma jovem universitária -, pagou os cafés. Compuseram-se. Dobrou o jornal que pôs debaixo do braço. Com o mesmo ar de familiaridade da chegada, despediram-se: “Então, até amanhã!”

Ainda os ouvi dizer: “Sabes, se há coisa que me chateia é o cocó de cão nos passeios. É m… de cão por todos os lados.” “Pois é, não há Junta, nem Câmara, nem Governo que ponha mão nisto. São todos uns incompetentes!”

(Artigo publicado na edição de 10 de setembro de 2015, do Diário de Coimbra)

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