quinta-feira, 20 de novembro de 2014

OS REIS MAGOS E OS VISTO GOLD

Por esta altura, na minha meninice aldeã, num tempo em que os animais já não falavam e o Dr. Marques Mendes ainda não exercia a sua reputada atividade de neonatologista empresarial, começava a preocupação de ir apanhar o musgo para o presépio e a ansiedade de receber das mãos da minha mãe as figurinhas de barro que ela guardava religiosamente de ano para ano. Por vezes, se conseguia juntar mais uns tostões, até me dava uma nova ovelha para acrescentar ao rebanho, mas no essencial entregava-me a preciosidade composta pela Sagrada Família, uma vaca, um burro, um pastor e duas ou três ovelhas e, ainda, para meu deslumbramento: os reis magos. 
 
A cenografia ficava à minha conta bem como o cuidado de ir fazendo avançar os ditos reis, que vinham do oriente, com informação privilegiada que tinha escapado ao terrível Herodes, um regulador da época a quem apesar de todo o poder escapava informação relevante, tal como hoje, diria sem medo de errar: diariamente, para desgraça de uns e alegria de outros. 

Confesso que nessa altura – peço que me desculpem porque era uma criança de tenra idade – não sabia não só da necessidade de os magos terem passaporte nem tão pouco que as riquezas de que eram portadores lhes poderiam dar direito a um visto gold e, consequentemente, a uma viagem e residência segura sem temerem o assanhado Herodes. 

Hoje, passados tantos anos, penso como teria sido diferente a problemática viagem dos reis magos, graças à enorme bondade da criação e empenho do Dr. Paulo Portas, um verdadeiro democrata-cristão, nos visto gold, para quem de acordo com a sua professada doutrina o dinheiro está acima de quaisquer outros valores e essa coisa de ser mais fácil um camelo passar pelo buraco da agulha do que um detentor de visto gold entrar no reino de Deus é conversa de criança. 

Claro que, contrariamente aos reis, José, um carpinteiro, Maria, uma doméstica e Jesus um nascituro, há luz da grelha de avaliação de um qualquer SEF, e não tendo capacidade de influência política ou de acesso a altos quadros da administração pública seriam remetidos à sua origem independentemente da política materno-infantil de Herodes.

(Artigo publicado na edição de 20 de Novembro, do Diário de Coimbra)


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