1. Possivelmente terá sido sempre assim.
A insatisfação pessoal e coletiva, leva a um a permanente expressão de
descontentamento e disso temos vastos e variados relatos ao longo da história da
humanidade. Contudo, nunca como hoje, vivendo numa sociedade de informação, o
descontentamento terá assumido uma expressão tão universal e simultaneamente de
vizinhança, sem falar na rapidez com que se propaga.
Não
sei se haverá alguém empenhado em inventariar o nosso descontentamento nos dias
que vivemos, eu, pessoalmente, manifesto desde já a minha incapacidade, tanto
mais que logo à partida alguns dos meus descontentamentos não são partilhados
pelos meus concidadãos e o que gostaria de conseguir era de, pelo menos,
encontrar uma mão cheia de situações que representassem um contentamento
maioritário. Por exemplo o ateniense Péricles, dizia no séc. V a.C., sem que se
conheça contestação, que: “Distinguimo-nos
de outros estados ao considerar inútil o homem que se mantém afastado da vida
pública”. Passados todos estes séculos o que se verifica é qua aquela
afirmação, para nosso descontentamento, merecerá uma imediata oposição. Na
nossa democracia, que vai sobrevivendo com muitas nódoas negras, há a convicção
cada vez mais intensa de que a participação na vida pública é, essa sim, uma
inutilidade. Pior ainda, o afastamento é saudado até porque se tem a ideia de
que a participação na vida pública é não só uma inutilidade mas, mais, uma
tentação pecaminosa.
O
défice democrático, causado pela falta de confiança na maturidade e competência
dos atores políticos – os políticos light - e pela convicção de que nenhum dos
programas eleitorais apresentados a sufrágio é para cumprir, é sem dúvida um
dos motivos de descontentamento, que aqui deixo à consideração de quem assumir
a tarefa de avançar com o inventário.
De
qualquer modo queria deixar uma nota de rodapé. O processo de reorganização
partidária em curso: eleições primárias no PS, aparecimento de novos partidos e
alterações internas noutros podem ser importantes fatores positivos de
transformação do cenário político existente contribuindo para pelo menos de
contenção do défice de participação cívica dos cidadãos. As primárias no PS –
que espero decorram com a maior transparência e dignidade –, podem ser um
momento alto da nossa democracia. Que os demónios da ambição e os vícios
manobristas sejam à partida esconjurados é o que se exige.
2. Um dos descontentamentos, que presumo
partilhado por muitos dos meus concidadãos, é o de vermos o governo da nossa
cidade tantas vezes envolvido em questões de natureza ética. A partir de 2002
vieram tempos particularmente negativos – factos são factos – e a minha grande
esperança era a de que com o atual Executivo houvesse visão, estratégia,
projetos, transparência, debate, divergências partidárias e bons combates
políticos. Dispensa-se tudo o resto.
(Artigo
publicado na edição de 17 de julho de 2014, do Diário de Coimbra)
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