quinta-feira, 17 de julho de 2014

PARA UM INVENTÁRIO DO NOSSO DESCONTENTAMENTO


1. Possivelmente terá sido sempre assim. A insatisfação pessoal e coletiva, leva a um a permanente expressão de descontentamento e disso temos vastos e variados relatos ao longo da história da humanidade. Contudo, nunca como hoje, vivendo numa sociedade de informação, o descontentamento terá assumido uma expressão tão universal e simultaneamente de vizinhança, sem falar na rapidez com que se propaga. 
 
Não sei se haverá alguém empenhado em inventariar o nosso descontentamento nos dias que vivemos, eu, pessoalmente, manifesto desde já a minha incapacidade, tanto mais que logo à partida alguns dos meus descontentamentos não são partilhados pelos meus concidadãos e o que gostaria de conseguir era de, pelo menos, encontrar uma mão cheia de situações que representassem um contentamento maioritário. Por exemplo o ateniense Péricles, dizia no séc. V a.C., sem que se conheça contestação, que: “Distinguimo-nos de outros estados ao considerar inútil o homem que se mantém afastado da vida pública”. Passados todos estes séculos o que se verifica é qua aquela afirmação, para nosso descontentamento, merecerá uma imediata oposição. Na nossa democracia, que vai sobrevivendo com muitas nódoas negras, há a convicção cada vez mais intensa de que a participação na vida pública é, essa sim, uma inutilidade. Pior ainda, o afastamento é saudado até porque se tem a ideia de que a participação na vida pública é não só uma inutilidade mas, mais, uma tentação pecaminosa.

O défice democrático, causado pela falta de confiança na maturidade e competência dos atores políticos – os políticos light - e pela convicção de que nenhum dos programas eleitorais apresentados a sufrágio é para cumprir, é sem dúvida um dos motivos de descontentamento, que aqui deixo à consideração de quem assumir a tarefa de avançar com o inventário.

De qualquer modo queria deixar uma nota de rodapé. O processo de reorganização partidária em curso: eleições primárias no PS, aparecimento de novos partidos e alterações internas noutros podem ser importantes fatores positivos de transformação do cenário político existente contribuindo para pelo menos de contenção do défice de participação cívica dos cidadãos. As primárias no PS – que espero decorram com a maior transparência e dignidade –, podem ser um momento alto da nossa democracia. Que os demónios da ambição e os vícios manobristas sejam à partida esconjurados é o que se exige.
2. Um dos descontentamentos, que presumo partilhado por muitos dos meus concidadãos, é o de vermos o governo da nossa cidade tantas vezes envolvido em questões de natureza ética. A partir de 2002 vieram tempos particularmente negativos – factos são factos – e a minha grande esperança era a de que com o atual Executivo houvesse visão, estratégia, projetos, transparência, debate, divergências partidárias e bons combates políticos. Dispensa-se tudo o resto.

(Artigo publicado na edição de 17 de julho de 2014, do Diário de Coimbra)

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