quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

A LIÇÃO DO DODÓ



Para desilusão de alguns leitores mas, decerto, para alegria da maioria não vou falar do Orçamento. Confesso que seria uma tarefa fácil seguindo o caminho de tantos comentadores e articulistas que têm conseguido o mérito de transformar a suprema ignorância em imensa sabedoria, uma fez que sobre ele têm proclamado sentenças ex cathedra sem que dele tenham lido um único número.

Talvez fosse interessante comentar os comentários mas aqui há um evidente inconseguimento, porque é humanamente impossível ler e ouvir os pronunciamentos de tantos e tão variados economistas seniores, juniores, mediáticos e acidentais.

Pode-se, isso sim, registar a capacidade de comentadores e protagonistas políticos de esquecer um tão próximo e marcante passado fazendo parecer que foram atingidos por um alzheimer político ou que utilizaram, a nível mental, uma especial tecla delete que lhes permitiu apagar anos de declarações e de ações concretas, em tudo contraditórias com as atuais posições.

Mas há outras perspetivas que se podem considerar nesta corrida desenfreada de declarações e análises políticas ao Orçamento e que podem radicar no conhecimento do que aconteceu com o Dodó. O Dodó ou “pássaro doudo” como os marinheiros portugueses lhe chamaram no século XVI, quando o encontram pela primeira vez na ilha Maurícia, extinguiu-se com uma rapidez alucinante, dado que a sua atitude ingénua e de ausência de medo levou a deixar-se matar, parece que até à pedrada. 

Com um comportamento classificado de “parvo” ou “fraco da ideia”, como os marinheiros o descreveram, deixava-se matar sem reação e não adotando qualquer técnica de autodefesa - era um parvalhão de uma absoluta ingenuidade ecológica -, o que levou à sua completa extinção há uns três séculos.
Ora é a consciência de alguns políticos de que vivem um momento perigoso da sua carreira e que não podem acabar como o Dodó, que os leva a esbracejar e a dar irónicos pulos de incoerência. Outros terão presente a passagem em que Lewis Carrol faz o Dodó protagonista, em As Aventuras de Alice no País das Maravilhas: “De repente o Dodó gritou: “Acabou a corrida” e todos se reuniram à volta dele, ofegando, e perguntando “Mas quem ganhou?” e como o Dodó não sabia e respondeu: “Todos ganharam”.

Isto que os faz lembrar as últimas legislativas leva a alguma precipitação o que também não deixa de ser um risco porque em política há imensos casos de extinção por precipitação, como pode ser atestado por profissionais dessa novel profissão que são os politicólogos, que vivem um tempo exaltante com tanta matéria para análise e produção de teses.

(Artigo publicado na edição de 11 de fevereiro, do Diário de Coimbra)

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