quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

VOTOS DE BAIXISTA



No tempo em que o cheiro do café torrado, acabado de moer no Loureiro dos Cafés, partia, dengoso, a passear pelas ruas da Baixinha esta era um sítio aprazível e apetecível para santos e pecadores. Nunca terá sido uma grande atração para Lentes, Doutores e Engenheiros que lhe encontravam o defeito, não confessado, de ser demasiado popular, mas de resto era ponto obrigatório para as compras regulares de abastecimento caseiro e as compras especiais para todas as festas. 

Ir à Baixa era também um encontro com os cheiros e os sabores dos petiscos partilhados com os amigos. Não eram petiscos gourmet, eram coisas substanciais carregadas de uma gordura requentada mas incapaz de qualquer acréscimo de colesterol e merecedora de três estrelas Michelin.

Mais, passar pela Baixa dava a certeza de que se cruzava com gente de todo o concelho e de toda a região e havia caras que levavam a um cumprimento rasgado, porque eram dali, ainda que não se soubesse nome nem apelido.

Acabado o Loureiro dos Cafés e os seus blend e tendo-se entrado no tempo das inodoras cápsulas de café, a Baixa foi perdendo algum do seu encanto. Fez-se lamúrias, acusatória e houve clientes, como um bom amigo que recordo com saudade, que lhe diagnosticaram uma fase obstétrica. Dizia ele que não era raro ir a uma loja procurar um artigo e receber uma resposta invariável: “De momento não tenho, estou à espera.” Este estou à espera, em modos parturiente, era sintomático das dificuldades de stok e do receio do amanhã.

Conscientes das dificuldades que se avolumavam fizeram-se estudos e publicaram-se teses sobre o assunto. O Ministério da Economia, publicou em 1999 uma obra de referência: “Urbanismo Comercial em Portugal e a Revitalização do Centro das Cidades” que considerava especificamente Coimbra e Aveiro. Também vieram analistas do reino e entendidos que nunca tinham ido à Baixa. Fizeram-se debates, tertúlias e jantares analíticos. Os resultados foram fracos. Até as arruadas das campanhas eleitorais começaram a rarear. 

É que o problema da Baixa é mais do que uma questão comercial, é uma questão de amor. Vai-se à Baixa porque se gosta. Gosta-se do espaço e das pessoas que o povoam. Gosta-se do ar que ali se respira. E por mim, que gosto muito da Baixa, estou certo que, mais dia, menos dia, surgirá uma Baixa vibrante, capaz de atrair novos clientes e fazer novos apaixonados. Imagino-a ancorada num projeto cultural em que não falte o swing musical que a torne numa “Little New Orleans”, para nossa felicidade e a bem do futuro de Coimbra.

São estes os votos de um baixista assumido.

(Artigo publicado na edição de 17 de dezembro de 2015, do Diário de Coimbra)

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