Há
quem diga que o outono é a grande estação gastronómica. Por esta altura quase
tudo se conjuga para uma boa refeição com variados produtos da época e o tempo
propício a umas garfadas calmas acompanhadas de uma conversa amena. Contudo,
este ano que se apregoa de excecional no que toca ao vinho, tem havido um
ambiente de tal turbulência política que parece que ninguém consegue comer
descansado.
Já
lá vai o tempo em que muita coisa se resolvia à mesa, porque um estômago reconfortado
é meio caminho para fechar um bom acordo. Por outro lado não há palatos
político-partidários e se bem tenho presente o José Quitério, uma figura de
referência da nossa gastronomia, que escrevia no Expresso e que foi laureado
este ano com o prémio Universidade de Coimbra, via os seus conselhos gastronómicos
serem seguidos por comensais de todos os credos e ideologias, apesar de ser um
confesso eleitor comunista.
Do
que se desconfia, este outono, é que há um feitiço – esta também é uma época de
bruxas - que veio estragar almoços e jantares de muita gente, que anda por aí
mal disposta e com uma forte azia. Aliás, não têm sido poucos os que nos
intervalos das refeições têm tido a coragem de dizer tantos disparates que custa
acreditar não tenham sido possuídos por um espírito maligno. De outros desconfia-se
que terão bebido um copito a mais e depois como têm mau vinho acabam por dizer
coisas impensáveis.
Mas
já que estamos a falar em vinho e na expectativa de que aí virão grandes vinhos,
como está anunciado, sugere-se uma calma passagem por uma garrafeira - e hoje
há por aí tantas e tão boas – e uma leitura pachorrenta dos contra-rótulos das
garrafas. Tenho a certeza de que vão encontrar momentos de encantamento mesmo que
depois não consigam, que é o que muitas vezes me acontece, ver o aspeto e
sentir os aromas e o gosto que lá estão anunciados.
É
evidente que o aspeto, os aromas e os sabores exigem uma visão razoável, um bom
“nariz” e um bom palato, mas mesmos que não se consiga perceber tudo o que nos
é prometido há pelo menos uma coisa que fica: a poesia do enólogo. A descrição
do vinho é invariavelmente um poema que interroga e desperta os sentidos.
Assim,
no meio de tantas acusações, confusões e acrimónias políticas, nada melhor do
que praticar o ritual de ir descobrindo num copo de vinho - para mais que tenha
por base uma das nossas castas tradicionais, como o Alvarinho, a Touriga
Nacional, a Baga, etc. - a bela poética do vinho, ganhando ao mesmo tempo
coragem e paciência para aturar o rodízio de disparates com que um exército
emergente de “inteligentes descomprometidos” nos vem brindando neste outono em
que as castanhas, embora muito caras, sabem tão bem.
(Artigo
publicado na edição de 22 de outubro, do Diário de Coimbra)
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