Foi
na semana passada. Na esplanada sentaram-se na mesa ao lado. Era um casal na
casa dos sessenta. Pediram, com familiaridade, dois cafés. Ele colocou o jornal
na mesa e na primeira página estava a fotografia impossível da criança morta,
de barriga para baixo, costas para o céu e cara meio enfiada na areia.
Arrepiava.
Chegado
o café, que foi degustado com prazer, virou o jornal e começou pela última
página. Fazia-o lentamente parecendo marcar, pelos títulos, as notícias a ler.
As notícias do desporto mereceram uma atenção especial e, algumas, uma leitura
imediata.
Chegado
novamente à primeira página quebrou o silêncio: “Está tudo maluco. Ninguém me
tira da cabeça que são os gajos do petróleo, das armas, do dinheiro… que estão por
trás disto tudo.”
“Achas”,
disse ela, afirmando mais do que interrogando.
“E,
olha, que também há por aí uma rapaziada a quem dá muito jeito ter mão-de-obra
barata na Europa e por isso a vinda de todos esses desgraçados, que são
aliciados para viver no paraíso inglês ou alemão. É sangue novo e mão-de-obra
barata…Vais ver que daqui a dias assim como começou, acaba. Logo que tenham as
necessidades satisfeitas.” Acrescentou ele e voltou a abrir o jornal.
Entretanto
ela seguia com o olhar um casal, com ar feliz, que passava com uma criança, pela
mão, cheia de vida.
Mais
uns momentos de leitura, ele fecha o jornal e com ar distante comenta: “Sabes,
nunca pensei que viéssemos a assistir a isto. Já viste como é que puseram uma
cambada de loucos a matar gente e a destruir monumentos históricos na Síria…
Tanto poderio militar, tanta coisa e depois não são capazes de acabar com uns
milhares de fanáticos. Os americanos andaram a incrementar os seus negócios na
zona, deram cabo daquilo e agora assobiam para o lado. O Obama anda pelo Alasca
a dançar e a fazer selfies. E, mais,
ou me engano muito ou ainda vamos descobrir que uns tantos países ocidentais,
dito civilizados, os andaram a financiar, como já fizeram noutros sítios.” Fez
uma pausa e concluiu: ”Agora ainda vai haver o folclore da caridadezinha…”
Parecendo
não o ter ouvido ela sugere: ”Olha, vamos fazer o euromilhões. Anda lá!”
Ele
acenou à empregada - ia apostar que era uma jovem universitária -, pagou os
cafés. Compuseram-se. Dobrou o jornal que pôs debaixo do braço. Com o mesmo ar
de familiaridade da chegada, despediram-se: “Então, até amanhã!”
Ainda
os ouvi dizer: “Sabes, se há coisa que me chateia é o cocó de cão nos passeios.
É m… de cão por todos os lados.” “Pois é, não há Junta, nem Câmara, nem Governo
que ponha mão nisto. São todos uns incompetentes!”
(Artigo
publicado na edição de 10 de setembro de 2015, do Diário de Coimbra)
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