Para
qualquer líder partidário a elaboração de listas é sempre um enorme problema.
Nestes momentos lembro-me do tio Joaquim que tendo passado parte do dia a tomar
conta do neto exclamou, entre o aliviado e o cansado, quando a tarefa foi dada
por extinta: “É pior do que tomar conta dum saco de pulgas”.
Para
quem assiste são momentos empolgantes em que se desfazem mitos urbanos e outros,
tanto mais porque, tendo a política tão má fama e sendo o serviço público tão exigente,
fica-se surpreso com a profusão de generosos interessados em nos representar e
defender os nossos legítimos interesses.
É
que ser deputado, contrariamente ao que muitos pensam e dizem, não é pera doce.
Primeiro há um calvário a percorrer para chegar a candidato, em que se cria
meia dúzia de amigos e um rodízio de inimigos e depois, logo no dia em que se é
eleito, mesmo antes de ser empossado, o pobre do deputado adquire uma série de
defeitos, de vícios e de perversidades que transtornam qualquer mortal. Há
adjetivos, com que nem sonha, que passam de imediato a fazer parte do seu
currículo, sem esquecer que nunca mais pode ir incógnito ou sossegado a
qualquer lado e que tem de engolir frequentemente, com um rasgado sorriso e sem
poder ripostar, alguns piropos dignos de belzebu.
Iniciadas
funções, desde a fila em que se senta, ou é mandado sentar, até ao vestido ou
ao fato e gravata que usa, tudo é reparado, sujeitando-se, ainda, ao violento
exercício de ter de conviver diariamente com os inimigos do seu grupo
parlamentar, que lhe disputam espaço e protagonismo, e de engolir as
orientações do líder parlamentar que lhe ordena como votar.
Mais,
tem de ter um carro de boa gama, vestidos ou fatos a condizer, gravatas
vistosas, cara sem rugas e cabelo bem penteado. Sujeita-se frequentemente a
problemas articulares a nível do pulso, por andar longas horas de copo gelado na
mão em cocktails, após o que vai ter de ir comer a qualquer lado, fora de
horas, para sobreviver. A qualquer lado não é bem assim. Tem de ir a um
restaurante da moda comer um petisco gourmet, com um ar bem-disposto e a
transpirar vitalidade.
Nos
fins-de-semana há sempre uma festa ou uma romaria obrigatória e uma nova promessa
para fazer, para além das desculpas que tem de preparar para as promessas não
cumpridas. E no fim do mandato, só tem uma certeza: é a de que o número de
amigos diminuiu proporcionalmente ao crescimento do número de inimigos.
Para
ser deputado é necessário, sem réstia de dúvida, ter vocação de mártir e por
isso quero aqui deixar o meu público agradecimento a todos os que se propõem,
tão renhida e entusiasticamente, ao suplício de me representar.
(Artigo
publicado na edição de 30 de julho de 2015, do Diário de Coimbra)
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