Para
desilusão de alguns leitores mas, decerto, para alegria da maioria não vou
falar do Orçamento. Confesso que seria uma tarefa fácil seguindo o caminho de
tantos comentadores e articulistas que têm conseguido o mérito de transformar a
suprema ignorância em imensa sabedoria, uma fez que sobre ele têm proclamado
sentenças ex cathedra sem que dele
tenham lido um único número.
Talvez
fosse interessante comentar os comentários mas aqui há um evidente inconseguimento,
porque é humanamente impossível ler e ouvir os pronunciamentos de tantos e tão
variados economistas seniores, juniores, mediáticos e acidentais.
Pode-se,
isso sim, registar a capacidade de comentadores e protagonistas políticos de esquecer
um tão próximo e marcante passado fazendo parecer que foram atingidos por um
alzheimer político ou que utilizaram, a nível mental, uma especial tecla delete que lhes permitiu apagar anos de
declarações e de ações concretas, em tudo contraditórias com as atuais posições.
Mas
há outras perspetivas que se podem considerar nesta corrida desenfreada de
declarações e análises políticas ao Orçamento e que podem radicar no
conhecimento do que aconteceu com o Dodó. O Dodó ou “pássaro doudo” como os
marinheiros portugueses lhe chamaram no século XVI, quando o encontram pela
primeira vez na ilha Maurícia, extinguiu-se com uma rapidez alucinante, dado
que a sua atitude ingénua e de ausência de medo levou a deixar-se matar, parece
que até à pedrada.
Com
um comportamento classificado de “parvo” ou “fraco da ideia”, como os
marinheiros o descreveram, deixava-se matar sem reação e não adotando qualquer
técnica de autodefesa - era um parvalhão de uma absoluta ingenuidade ecológica
-, o que levou à sua completa extinção há uns três séculos.
Ora
é a consciência de alguns políticos de que vivem um momento perigoso da sua carreira
e que não podem acabar como o Dodó, que os leva a esbracejar e a dar irónicos pulos
de incoerência. Outros terão presente a passagem em que Lewis Carrol faz o Dodó
protagonista, em As Aventuras de Alice no País das Maravilhas: “De repente o
Dodó gritou: “Acabou a corrida” e todos se reuniram à volta dele, ofegando, e
perguntando “Mas quem ganhou?” e como o Dodó não sabia e respondeu: “Todos
ganharam”.
Isto
que os faz lembrar as últimas legislativas leva a alguma precipitação o que
também não deixa de ser um risco porque em política há imensos casos de
extinção por precipitação, como pode ser atestado por profissionais dessa novel
profissão que são os politicólogos, que vivem um tempo exaltante com tanta
matéria para análise e produção de teses.
(Artigo
publicado na edição de 11 de fevereiro, do Diário de Coimbra)
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