No
tempo em que o cheiro do café torrado, acabado de moer no Loureiro dos Cafés,
partia, dengoso, a passear pelas ruas da Baixinha esta era um sítio aprazível e
apetecível para santos e pecadores. Nunca terá sido uma grande atração para
Lentes, Doutores e Engenheiros que lhe encontravam o defeito, não confessado,
de ser demasiado popular, mas de resto era ponto obrigatório para as compras
regulares de abastecimento caseiro e as compras especiais para todas as festas.
Ir
à Baixa era também um encontro com os cheiros e os sabores dos petiscos
partilhados com os amigos. Não eram petiscos gourmet, eram coisas substanciais
carregadas de uma gordura requentada mas incapaz de qualquer acréscimo de
colesterol e merecedora de três estrelas Michelin.
Mais,
passar pela Baixa dava a certeza de que se cruzava com gente de todo o concelho
e de toda a região e havia caras que levavam a um cumprimento rasgado, porque
eram dali, ainda que não se soubesse nome nem apelido.
Acabado
o Loureiro dos Cafés e os seus blend e tendo-se entrado no tempo das inodoras cápsulas
de café, a Baixa foi perdendo algum do seu encanto. Fez-se lamúrias, acusatória
e houve clientes, como um bom amigo que recordo com saudade, que lhe
diagnosticaram uma fase obstétrica. Dizia ele que não era raro ir a uma loja
procurar um artigo e receber uma resposta invariável: “De momento não tenho,
estou à espera.” Este estou à espera, em modos parturiente, era sintomático das
dificuldades de stok e do receio do amanhã.
Conscientes
das dificuldades que se avolumavam fizeram-se estudos e publicaram-se teses
sobre o assunto. O Ministério da Economia, publicou em 1999 uma obra de
referência: “Urbanismo Comercial em Portugal e a Revitalização do Centro das
Cidades” que considerava especificamente Coimbra e Aveiro. Também vieram
analistas do reino e entendidos que nunca tinham ido à Baixa. Fizeram-se
debates, tertúlias e jantares analíticos. Os resultados foram fracos. Até as
arruadas das campanhas eleitorais começaram a rarear.
É
que o problema da Baixa é mais do que uma questão comercial, é uma questão de
amor. Vai-se à Baixa porque se gosta. Gosta-se do espaço e das pessoas que o
povoam. Gosta-se do ar que ali se respira. E por mim, que gosto muito da Baixa,
estou certo que, mais dia, menos dia, surgirá uma Baixa vibrante, capaz de
atrair novos clientes e fazer novos apaixonados. Imagino-a ancorada num projeto
cultural em que não falte o swing
musical que a torne numa “Little New Orleans”, para nossa felicidade e a bem do
futuro de Coimbra.
São
estes os votos de um baixista assumido.
(Artigo
publicado na edição de 17 de dezembro de 2015, do Diário de Coimbra)
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