quinta-feira, 19 de novembro de 2015

ENIGMAS E PARADIGMAS



É um privilégio viver em Coimbra, pelo que se tem e pelo que não se percebe não existir. Aqui pode-se usufruir de um conjunto de bondades e ser confrontado com a enigmática existência de algumas cápsulas do tempo que evitam aventuras contemporâneas e as ideias extravagantes que fazem bulir as cidades criativas. 

É um verdadeiro enigma a dificuldade de mobilização cívica numa cidade que se pretende não só estar entre as primeiras no ranking do país como manter e reforçar uma imagem extrafronteiras. O problema é que não se pode querer ser uma cidade diferente e de vanguarda quando se anda a reboque, quando anda, particularmente naquilo que caracteriza o nervo das cidades que importam.   

Vem isto a propósito da reação, melhor: da não reação, a questões civilizacionais, de valores e de princípios que são a cada momento postos pela globalização do mal e do terror. Não merece a pena preocupar-nos ou fazer nada seja o que for perante o que se está a passar em França, ou o que se vem passando, numa escala ainda mais aterradora, em tantos outros países.
O nosso conforto perante um incomensurável desconforto de milhares de seres humanos será um bem ou um mal? O que podemos fazer ou o que interessa aquilo que façamos se isso não conta para nada dirão alguns, aliás, dirá a grande maioria.

Pois é aqui que está a grande questão é que não se é uma cidade grande nem universalista quando as preocupações se ficam pela Travessa dos Gatos. Há um problema de dimensão só ultrapassável pela qualidade e capacidade de reação rápida e de intervenção criativa de que andamos arredados.

Dir-se-á que esta pachorra e acomodação cívica e interventiva é paradigmática de uma cidade com boa qualidade de vida, em que não merece a pena estar a inventar preocupações. Também há quem entenda que esta é uma característica das cidades universitárias, mais propensas ao estudo e à reflexão do que à ação. São capazes de ter razão. Talvez se assuma pura e simplesmente a certeza de Jean-Paul Sartre de que “A violência, seja qual for a maneira como ela se manifesta, é sempre uma derrota.” Podemos ficar por aqui. O que é certo é que a desumanidade vai passando permanentemente perante os nossos olhos a modos como que um sereno Mondego, sem um tremor de consciência numa cidade que se diz do conhecimento.

Como é bela e enigmática a nossa Coimbra.

PS: Enquanto escrevia este texto, na companhia da música de Paganini, havia paz na rua e um sol radioso a brilhar no Mondego. Em Paris e na Síria havia mais mortos, e o Boko Haram continuava ativo na Nigéria.

(Artigo publicado na edição de 19 de novembro, do Diário de Coimbra)

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