É
um privilégio viver em Coimbra, pelo que se tem e pelo que não se percebe não
existir. Aqui pode-se usufruir de um conjunto de bondades e ser confrontado com
a enigmática existência de algumas cápsulas do tempo que evitam aventuras
contemporâneas e as ideias extravagantes que fazem bulir as cidades criativas.
É
um verdadeiro enigma a dificuldade de mobilização cívica numa cidade que se
pretende não só estar entre as primeiras no ranking do país como manter e reforçar
uma imagem extrafronteiras. O problema é que não se pode querer ser uma cidade
diferente e de vanguarda quando se anda a reboque, quando anda, particularmente
naquilo que caracteriza o nervo das cidades que importam.
Vem
isto a propósito da reação, melhor: da não reação, a questões civilizacionais,
de valores e de princípios que são a cada momento postos pela globalização do
mal e do terror. Não merece a pena preocupar-nos ou fazer nada seja o que for
perante o que se está a passar em França, ou o que se vem passando, numa escala
ainda mais aterradora, em tantos outros países.
O
nosso conforto perante um incomensurável desconforto de milhares de seres
humanos será um bem ou um mal? O que podemos fazer ou o que interessa aquilo
que façamos se isso não conta para nada dirão alguns, aliás, dirá a grande
maioria.
Pois
é aqui que está a grande questão é que não se é uma cidade grande nem
universalista quando as preocupações se ficam pela Travessa dos Gatos. Há um
problema de dimensão só ultrapassável pela qualidade e capacidade de reação
rápida e de intervenção criativa de que andamos arredados.
Dir-se-á
que esta pachorra e acomodação cívica e interventiva é paradigmática de uma
cidade com boa qualidade de vida, em que não merece a pena estar a inventar preocupações.
Também há quem entenda que esta é uma característica das cidades
universitárias, mais propensas ao estudo e à reflexão do que à ação. São
capazes de ter razão. Talvez se assuma pura e simplesmente a certeza de
Jean-Paul Sartre de que “A violência, seja qual for a maneira como ela se
manifesta, é sempre uma derrota.” Podemos ficar por aqui. O que é certo é que a
desumanidade vai passando permanentemente perante os nossos olhos a modos como que
um sereno Mondego, sem um tremor de consciência numa cidade que se diz do
conhecimento.
Como
é bela e enigmática a nossa Coimbra.
PS:
Enquanto escrevia este texto, na companhia da música de Paganini, havia paz na
rua e um sol radioso a brilhar no Mondego. Em Paris e na Síria havia mais
mortos, e o Boko Haram continuava ativo na Nigéria.
(Artigo
publicado na edição de 19 de novembro, do Diário de Coimbra)
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