Para
os homens e mulheres da minha geração é inevitável falar nesta altura do 25 de
Abril de 74. Os acontecimentos a que assistimos e os momentos que vivemos foram
de tal maneira intensos, importantes e únicos que ficaram para sempre a latejar
na nossa memória e a marcar as nossas vidas.
A
questão é que não imaginávamos que esse dia se iria tornar uma simples
recordação. Pensávamos que ele nunca mais acabava e que seria um dia de muitos
anos, sem noites, nem negrumes. Ingenuamente, acreditámos que os cravos não
morriam e confiámos que o tempo estava a nosso favor. Cheios de ilusões
tínhamos a certeza de que o essencial estava assegurado e que não havia cinismo
capaz de dar cabo da esperança que nos invadira.
Grandes
esperanças e grandes expectativas eram companheiras diárias até que, pouco a
pouco, fomos percebendo que havia quem se divertia com a nossa ingenuidade e
utopia. Não sabíamos bem o que se estava a passar mas pressentíamos um inimigo
silencioso que nos ia desgastando e encaminhando para uma viela tortuosa e
sombria fazendo-nos acreditar que aquele era o caminho que nos levaria à grande
avenida dos jacarandás floridos e, sobretudo, o único caminho possível.
E,
um dia, descobrimos que nos tinham feito andar em círculo e que por pouco não
estávamos a voltar ao sítio de partida. Souberam convencer que éramos ricos de
pobreza, que trabalhávamos pouco e mal e que a redenção estava no trabalho
precário e mal pago. Criaram uma farta bolsa de desempregados para o
recrutamento fácil e sem direitos. E, até assistimos, no meio de tudo isto, ao
aplauso de tantos que não perceberam que eram eles o verdadeiro alvo desta
sociedade do futuro sem futuro.
Com
a inteligência perversa e a conivência prostituta de alguns, foram inculpando a
política por todos os males enquanto engordavam as suas contas na Suiça ou em
offshores exóticos. E até criaram uns políticos obedientes e venerandos, uns
verdadeiros placebos do sistema, cuja realização pessoal se resume à “honra” de
uma fotografia nos jornais ou a umas imagens na televisão.
Hoje
estamos mais desiguais do que já fomos, mais pobres do que já fomos, menos
independentes do que já fomos e menos solidários do que já fomos. Ganhámos em
insegurança e perdemos em esperança, tendo assistido à renúncia, quase
generalizada, do heroísmo ideológico que nos alimentou e nos dava a convicção
de que era possível um país melhor e uma sociedade mais justa.
Chegados
aqui percebemos que os anos e a erosão de valores, da ética, do sentido de
serviço público, nos colocaram frequentemente no sofá a fazer zapping para
saber o preço do crude ou o movimento no Dow Jones, no Nasdak, no CAC, no
Nikkei, no Dax, etc., porque é aí que está o real jogo do futuro.
Sobre
Abril, já se diz: Era uma vez…
(Artigo
publicado na edição de 23 de abril de 2015, do Diário de Coimbra)
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