quinta-feira, 6 de novembro de 2014

UM GOVERNO DE SORVAS




Pelo São Simão, que se celebra nos finais de Outubro, têm lugar as ditas feiras dos passados. São feiras tradicionais em que predominam os frutos secos e não quaisquer outros produtos, que alguma mente mais perversa possa estar a imaginar e que de resto não honrariam o apóstolo Simão, o Zelota. 

Nessas feiras, de que tenho memória desde a minha infância, é habitual aparecerem à venda sorvas, fruto que pela surpresa dos meus amigos quando lhes faço referência me leva a concluir é pouco conhecido. Aliás, nem o termo sorvado, ponto em que devem estar as sorvas para serem comidas (veja-se a coincidência), não é muito da conversa comum. 

As sorvas também são conhecidas por nêspera alemã – a planta que dá as sorvas é da família das rosaceae  e de nome mespilus germânica o que explica a designação -, e a que os franceses, numa terminologia popular que tem a ver com a sua imagem e que me abstenho de traduzir, chamam “cul de chien”.

Aconteceu-me este São Simão, numa feira dos passados, e depois de uma conversa com uma vendedeira, que me explicou a técnica adequada ao amadurecimento das sorvas, ser atingido, repentinamente, ia a dizer como Saulo de Tarso, pela imagem de que aquele cesto de sorvas, que estava á minha frente, representava uma reunião de conselho de ministros do atual governo. Era uma verdadeira metáfora frutícola, se é que isto existe, do governo, que ali estava exposta ao olhar dos passantes. 

Contive-me no anúncio desta visão, até porque não quero ofender as sorvas, nem desmotivar o seu consumo, mas um fruto que tem reminiscências alemãs e que só é bom quando está podre (bem sorvado), não há dúvida que tem tudo para ser o ex-libris de um governo de obediência germânica, em decomposição. 

Ali estavam, amontoados, numa cesta artesanal, o Passos, o Portas, ministros e secretários de estado, bem sorvadinhos, à espera de serem comidos numa feira popular.

Rezo para que as sorvas perdoem este atrevimento de tão mal as comparar e que São Simão não vire as costas às minhas e vossas aflições, bem pelo contrário, que resgate a imagem das sorvas, as deixe para exclusivo prazer do nosso palato, e que para o ano este governo de sorvas seja apenas uma má memória de tempos passados.

(Artigo publicado na edição de 6 de novembro de 2014, do Diário de Coimbra)





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