Por
esta altura, na minha meninice aldeã, num tempo em que os animais já não
falavam e o Dr. Marques Mendes ainda não exercia a sua reputada atividade de
neonatologista empresarial, começava a preocupação de ir apanhar o musgo para o
presépio e a ansiedade de receber das mãos da minha mãe as figurinhas de barro que
ela guardava religiosamente de ano para ano. Por vezes, se conseguia juntar
mais uns tostões, até me dava uma nova ovelha para acrescentar ao rebanho, mas
no essencial entregava-me a preciosidade composta pela Sagrada Família, uma
vaca, um burro, um pastor e duas ou três ovelhas e, ainda, para meu
deslumbramento: os reis magos.
A
cenografia ficava à minha conta bem como o cuidado de ir fazendo avançar os ditos
reis, que vinham do oriente, com informação privilegiada que tinha escapado ao
terrível Herodes, um regulador da época a quem apesar de todo o poder escapava informação
relevante, tal como hoje, diria sem medo de errar: diariamente, para desgraça
de uns e alegria de outros.
Confesso
que nessa altura – peço que me desculpem porque era uma criança de tenra idade
– não sabia não só da necessidade de os magos terem passaporte nem tão pouco
que as riquezas de que eram portadores lhes poderiam dar direito a um visto
gold e, consequentemente, a uma viagem e residência segura sem temerem o
assanhado Herodes.
Hoje,
passados tantos anos, penso como teria sido diferente a problemática viagem dos
reis magos, graças à enorme bondade da criação e empenho do Dr. Paulo Portas,
um verdadeiro democrata-cristão, nos visto gold, para quem de acordo com a sua
professada doutrina o dinheiro está acima de quaisquer outros valores e essa
coisa de ser mais fácil um camelo passar pelo buraco da agulha do que um
detentor de visto gold entrar no reino de Deus é conversa de criança.
Claro
que, contrariamente aos reis, José, um carpinteiro, Maria, uma doméstica e
Jesus um nascituro, há luz da grelha de avaliação de um qualquer SEF, e não
tendo capacidade de influência política ou de acesso a altos quadros da
administração pública seriam remetidos à sua origem independentemente da
política materno-infantil de Herodes.
(Artigo
publicado na edição de 20 de Novembro, do Diário de Coimbra)
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