O
senhor Zé olhava os passantes na expectativa de que alguém se decidisse a ser
cliente. O trabalho era pouco e o negócio estava mau. Apesar de tudo sabia que
daí a pouco começariam a aparecer alguns dos velhos amigos/clientes e haveria a
habitual tertúlia. Um vinha, como habitualmente, com o “Crime da Manhã”, jornal
de referência da rapaziada, outro com o “O Chuto”, jornal desportivo afeto a um
determinado clube e por isso olhado com desconfiança por alguns dos
conferencistas, e ele já ali tinha o jornal local de que era assinante desde
que abrira a barbearia, já lá vão umas dezenas de anos, e a que já tinha dado
uma vista de olhos, em primeiro lugar pela necrologia.
O
problema é que nos últimos tempos, contrariamente ao que era hábito, as
discussões vivas e intensas e que apesar de alguns arrufos, sobretudo por causa
dos árbitros, dos penalties e dos fora de jogo, acabavam em bem, as coisas
agora eram diferentes. Parte do tempo era gasta em política internacional.
Ele
já tinha ouvido dizer, com ar sarcástico, que é nas barbearias que se encontram
os grandes génios da política, porque aí há sempre alguém que sabe de tudo e
tem soluções para todos os problemas da cidade, do país e do mundo. Também é
verdade que pelas suas mãos tinham passado alguns políticos, dos verdadeiros,
que simpaticamente tinham ouvido as suas queixas e sugestões. Alguns, lembra-se
bem, para além da barba e cabelo até lhe tinham dado o privilégio de deitar
abaixo o bigode, porque iam ser candidatos e o bigode estava fora de moda.
Mas
para o que não estava preparado era para ouvir as intensas discussões dos seus
amigos/clientes sobre política internacional e para mais quando atiravam com
aqueles arrevesados nomes gregos e alemães. Falar do Passos e do seu amor à
Troika era uma coisa, da gaja da Alemanha ainda vá que não vá, agora virem lá
com aqueles nomes estranhos de uns tipos que discordavam de quem mandava é que
o deixava confuso. De gregos lembrava-se de uns jogadores de futebol, que até
eram obedientes ao treinador e seguiam a tática à risca, agora aparecerem uns
rapazes, com nome estranho, a refilar é que não estava à espera.
Pela
amostra o dia ia ser fraco. Ia haver tempo para uma boa discussão. O melhor era
começar já a preparar-se. Não queria ouvir falar de gregos. Assim que o grupo
se compusesse, entrava matar: “Então já sabem que o Sócrates é acusado de mais
três crimes!? O juiz já lá tem tudo escrito. O gajo não se safa. Olhem, esperto
foi o Salgado, está em casa descansado com os seus milhões e o Carlos Costa do
Banco de Portugal é que tem de ouvir. E, já agora, não me venham lá com os
gregos. Não são assim tão espertos, o ministro deles dos submarinos está preso
e nós por cá não temos nada disso.”
PS:
Qualquer semelhança com pessoas, factos ou barbearias é pura coincidência.
(Artigo
publicado na edição de 26 de fevereiro de 2015, do Diário de Coimbra)
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