Estou
convencido que partilho com muitos leitores de alguma nostalgia pelos tempos
particulares que vivemos nas décadas de 70 e 80 do século passado, quando
trabalhámos arduamente no processo de construção do Serviço Nacional de Saúde.
Dar
corpo às decisões políticas que o Dr. António Arnaut e o Professor Mário Mendes
tinham daqui levado para Lisboa e que era preciso realizar por todo o país, não
foi um processo fácil. Era todo um mundo novo de ideias, de conceitos e de
organização que uma nova geração de profissionais da saúde – como dedicados
apóstolos – procurava, num quotidiano de dificuldades, levar à prática.
Naqueles
tempos as convicções eram profundas e havia uma dinâmica de trabalho que não
dependia tanto do que se ganhava mas, sobretudo, do que se dava. Havia um
enorme e partilhado idealismo e quando se começaram a sentir os primeiros
grandes efeitos na melhoria da saúde dos cidadãos, particularmente na área da
saúde materno-infantil, ganhou-se a convicção de que tinha merecido a pena o
esforço.
Tínhamos
trabalhado bem na construção de um Serviço que tinha trazido bem-estar, melhor
qualidade e mais anos de vida aos cidadãos e que era um fator de coesão social
e de óbvio desenvolvimento do país. Nessa altura havia um brilhozinho dos olhos
quando dizíamos que trabalhávamos na saúde. Tínhamos conseguido interpretar e
levar à prática políticas corretas de verdadeiro interesse nacional e
agradecíamos aos deuses o privilégio de ter tido no momento certo no Ministério
da Saúde, um político com a dimensão do Dr. António Arnaut.
Os
anos foram passando, muito do idealismo foi-se perdendo, e o equilíbrio que uma
boa saúde pressupõe deu azo a excessos, a abusos e a desperdícios que uma
situação de crise financeira conjugada com uma rotineira temporada de gripe veio
evidenciar de modo insofismável. É na verdade estranho e triste estar a
assistir em direto à implosão de serviços altamente sofisticados por força de
uma simples gripe.
É
bom que tenhamos em conta esta lição e que não deitemos a perder o essencial
daquilo que foi sendo construído com sucesso. Há uma dimensão política que tem
de ser devidamente equacionada, uma dimensão técnica e ética que tem de ser
considerada e uma dimensão social e de consciência coletiva, pelo que se está a
passar na saúde, que exigem reflexão.
Não
há crise que justifique tudo e não é possível esquecer que um dos garantes de
paz social que temos tido e que tão importante tem sido no desenvolvimento do
país é o Serviço Nacional de Saúde, pelo que é urgente atacar as verdadeiras
causas que estão a provocar a infeção do seu sistema respiratório.
(Artigo
publicado na edição de 29 de janeiro de 2015, do Diário de Coimbra)
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