quinta-feira, 24 de setembro de 2015

CAMPANHA, MENTIRAS E SONDAGENS



1. As campanhas eleitorais trazem-me sempre a dúvida sobre as minhas reais capacidades intelectuais. Confesso que são alturas de desconforto em que questiono o meu QI (Quociente de Inteligência) perante as estratégias adotadas para suscitar a adesão dos eleitores e conquistar votos. 

É sabido que para atrair os eleitores é necessário conjugar um discurso simultaneamente idealista e egoísta. “As pessoas não gostam de se ver tais quais são e de permanecer na situação em que o destino as colocou; têm necessidade de que lhes seja devolvida uma imagem que transcenda as suas vidas e a estreiteza das suas preocupações”, in “Maquiavel em Democracia”, de Edouard Balladour.

Ora, ao que se assiste não é a uma estratégia neste sentido mas sim à propagação do medo como método, o que mais não faz do que levar ao afastamento dos eleitores e consequentemente à abstenção, transformando-a no terceiro partido mais “votado”, com prejuízo democrático para todos.

2. Uma outra estranha tendência que se vem acentuando, para mais num tempo em que é cada vez mais fácil escrutinar passados e palavras, é a do aumento exponencial da mentira. Esta é uma capacidade que vem sendo reciprocamente treinada por candidatos e eleitores. Se os candidatos têm de fazer “sonhar” os eleitores, estes, perante dias, meses e mesmo anos de dura realidade e de assumirem desabafos e contundentes contestações, chegados a este momento parece, num número inexplicável, quererem cair de novo na armadilha da mentira. 

É um jogo de enganos nada saudável, que acaba por trazer para o tabuleiro das decisões políticas uma perspetiva falsa de projeto coletivo e uma ideia de país das mentiras em que ninguém parece saber verdadeiramente o que quer. 

3. Não há dúvida que a indústria das sondagens tem picos de produção acentuada na altura das campanhas eleitorais. Hoje, com sondagens quase hora a hora – o que em termos de negócio é deveras interessante –, não é possível deixar de manifestar preocupação quanto à sua fiabilidade e às consequências que representam. Parece que estão a sondar de mais e, consequentemente, por um lado a banalizar a sua importância e por outro a permitir acentuar a ideia de que há um perverso jogo de obscuras influências que condiciona e perverte o jogo democrático.

(Artigo publicado na edição de 24 de setembro, do Diário de Coimbra)

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

UM DIA VENTUROSO



Há dias assim, felizes! O dia da criação do Serviço Nacional de Saúde (SNS) foi um desses dias. Sem as certezas da ciência pura mas com base numa fórmula em que a 1/3 de utopia se juntaram 2/3 de uma forte e bondosa convicção (o Dr. António Arnaut que me perdoe esta tão primária e porventura errada equação), já lá vão 36 anos, teve luz o SNS.

Estabelecido como pilar fundamental do nosso sistema de saúde, assumiu com garbo o seu papel acabando por ganhar vida própria. Cometeu, aliás, a proeza de nestes 36 anos, apesar dos safanões que apanhou, ter sido capaz de resistir a secretários-de-estado, ministros e primeiros-ministros. Isso só foi possível porque soube ganhar o respeito, a admiração e o reconhecimento da generalidade dos portugueses, que não raramente o defenderam de uma forma aguerrida e insuspeita de maquinações político-partidárias.

Quanto à virtude dos seus méritos há provas irrefutáveis, que tantos têm vindo a enumerar, parecendo que a cada ano que passa mais evidentes se tornam. Mas o que é singular é ver que quanto mais foi sendo atacado (muitas vezes por alguns dos seus íntimos) mais conseguiu resistir tornando-se, sem contestação, o Cristiano Ronaldo dos nossos serviço públicos. Quando atacado reagiu sempre com força e classe!

Se fizemos uma revolução pacífica e soubemos criar um regime democrático que tem vindo a ser capaz de suportar grandes e fortes provações, isso deve-se em muito a amortecedores sociais e a promotores de unidade nacional em que o SNS foi e é um elemento preponderante. Vivemos em democracia e se temos hoje uma qualidade de vida em que sobressaem indicadores de saúde impensáveis nos idos de 74 a ele muito o devemos.

Diz o povo que pelo fruto se conhece a árvore. Pois é, se o SNS é o que é isso deve-se ao sopro criador de Dr. António Arnaut, que soube ir a Lisboa ser ministro - não ir para Lisboa para chegar a ministro -, sem esquecer a sua Penela, que era então um dos concelhos mais pobres do país, e sabendo aproveitar a qualidade da sua Coimbra, levando como companheiro de armas o saudoso Professor Mário Mendes.

Foi uma dupla magnífica corajosa e arrojada, a bem dos seus concidadãos, levando a que o Dr. António Arnaut seja, atrevo-me a dizê-lo, um dos mais estimados, admirados e respeitados ex-ministros da saúde da Europa.

Não é pecado dizer que não terá havido, até hoje, no nosso regime democrático um único ministro da saúde que tenha em tempo de bonança ou aflição deixado de vir aqui pedir-lhe o seu conselho e a sua bênção. Isto diz tudo.

Nós portugueses temos fama de ser invejosos, tantas vezes mesquinhos e maldizentes, mas, por favor, que neste dia do SNS sejamos capazes de reconhecer o seu mérito e honrar a sua existência, porque este é um dia venturoso.

sábado, 12 de setembro de 2015

ATÉ AMANHÃ, EUROPA!



Foi na semana passada. Na esplanada sentaram-se na mesa ao lado. Era um casal na casa dos sessenta. Pediram, com familiaridade, dois cafés. Ele colocou o jornal na mesa e na primeira página estava a fotografia impossível da criança morta, de barriga para baixo, costas para o céu e cara meio enfiada na areia. Arrepiava.

Chegado o café, que foi degustado com prazer, virou o jornal e começou pela última página. Fazia-o lentamente parecendo marcar, pelos títulos, as notícias a ler. As notícias do desporto mereceram uma atenção especial e, algumas, uma leitura imediata.

Chegado novamente à primeira página quebrou o silêncio: “Está tudo maluco. Ninguém me tira da cabeça que são os gajos do petróleo, das armas, do dinheiro… que estão por trás disto tudo.” 

“Achas”, disse ela, afirmando mais do que interrogando.

“E, olha, que também há por aí uma rapaziada a quem dá muito jeito ter mão-de-obra barata na Europa e por isso a vinda de todos esses desgraçados, que são aliciados para viver no paraíso inglês ou alemão. É sangue novo e mão-de-obra barata…Vais ver que daqui a dias assim como começou, acaba. Logo que tenham as necessidades satisfeitas.” Acrescentou ele e voltou a abrir o jornal.  

Entretanto ela seguia com o olhar um casal, com ar feliz, que passava com uma criança, pela mão, cheia de vida. 

Mais uns momentos de leitura, ele fecha o jornal e com ar distante comenta: “Sabes, nunca pensei que viéssemos a assistir a isto. Já viste como é que puseram uma cambada de loucos a matar gente e a destruir monumentos históricos na Síria… Tanto poderio militar, tanta coisa e depois não são capazes de acabar com uns milhares de fanáticos. Os americanos andaram a incrementar os seus negócios na zona, deram cabo daquilo e agora assobiam para o lado. O Obama anda pelo Alasca a dançar e a fazer selfies. E, mais, ou me engano muito ou ainda vamos descobrir que uns tantos países ocidentais, dito civilizados, os andaram a financiar, como já fizeram noutros sítios.” Fez uma pausa e concluiu: ”Agora ainda vai haver o folclore da caridadezinha…”

Parecendo não o ter ouvido ela sugere: ”Olha, vamos fazer o euromilhões. Anda lá!”

Ele acenou à empregada - ia apostar que era uma jovem universitária -, pagou os cafés. Compuseram-se. Dobrou o jornal que pôs debaixo do braço. Com o mesmo ar de familiaridade da chegada, despediram-se: “Então, até amanhã!”

Ainda os ouvi dizer: “Sabes, se há coisa que me chateia é o cocó de cão nos passeios. É m… de cão por todos os lados.” “Pois é, não há Junta, nem Câmara, nem Governo que ponha mão nisto. São todos uns incompetentes!”

(Artigo publicado na edição de 10 de setembro de 2015, do Diário de Coimbra)