quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

ARMADILHAS E MALDIÇÕES



1. Finalmente estamos a viver um momento de refutação da afirmação romana de que na parte mais ocidental da Ibéria havia um povo que não se governava nem se deixava governar. Hoje somos um povo que se deixa governar. Aliás, tornámo-nos num povo que caiu na armadilha de querer ser governado por estranhos. 

Há dias, o professor Eduardo Lourenço disse: “Fomos invadidos por uma espécie de vampiros”. Só que, verdadeiramente, não foi uma invasão. O que aconteceu foi que uns tantos vampiros locais criaram as condições e fizeram o convite à vinda de vampiros estrangeiros, recebendo-os com a deferência e a subserviência que é devida aos catedráticos destas coisas. Fomos nós que organizámos um baile vampiresco no Terreiro do Paço. Trouxemo-los para dentro de casa e, agora, demonstrando a nossa impreparação política, estamos sem saber como sair da ratoeira em que caímos e não sabemos como os mandar embora. 

Podemos perguntar-nos: que mal fizemos para chegar aqui? Mas esta é uma dúvida como aquela que alguns se colocaram sobre o que fazia Deus antes de criar o mundo e a que alguém respondeu: “Antes da criação do mundo, Deus estava a preparar o Inferno para quem faz esse tipo de perguntas.” Portanto sejamos otimistas quanto ao pessimismo e tenhamos a certeza de que, por muitos anos, não vamos sair da armadilha onde nos metemos, até porque mesmo que alguns dos vampiros mais visíveis se vão embora, vão ficar os seus lacaios e controleiros para tomarem conta de nós.  

2. Chegados a Coimbra, encontramos um PS tombado na armadilha das decisões jurisdicionais para resolver problemas políticos. Problemas que um mínimo de visão e de sabedoria teriam evitado. Parece que o PS/Coimbra resolveu iniciar o século XXI com uma propensão suicida, a desbaratar o seu capital político e o seu estatuto de partido referencial, levando a que cada vez menos acreditem na sua capacidade de regeneração. 

Mas também por aqui nos temos vindo a deparar com uma maldição. Há uma maldição, não pode ter outra explicação, que caiu sobre as obras públicas que acontecem na nossa cidade. Foi a Ponte Europa e o Hospital Pediátrico. É o Metro Mondego e o Centro de Congressos/Convento de São Francisco. Neste último caso ainda se podem culpar os 600 esqueletos ali encontrados, mas na verdade é de políticos e técnicos que dói adivinhar a incompetência. E nós que precisávamos tanto, não só de ser património da humanidade mas também de ser exemplo de uma cidade inspiradora, culturalmente vibrante, inovadora e competente, com capacidade de planeamento e de organização, para ganhar o respeito dos que têm visão de futuro e a desejam partilhar. 

Já agora, que este tempo de acerto de projeto e de obra seja aproveitado para estruturar a gestão e o funcionamento de um equipamento tão importante. É o mínimo que se pode esperar, para não cairmos na armadilha de ver uma boa ideia transformada num insustentável e inútil elefante branco.

(Artigo publicado na edição de 27 de Fevereiro de 2014, do Diário de Coimbra)

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

BULLYING POLÍTICO GOVERNAMENTAL E QUALIDADE DE VIDA LOCAL



1. Na tentativa de encontrar uma partícula de entendimento sobre a política do governo resolvi pedir ajuda a Edouard Balladour e revisitei o seu livro “Maquiavel em Democracia”. Confesso que não encontrei pistas significativas porque a incoerência e inconsistência de discursos e de práticas são tão grandes que a racionalidade maquiaveliana não comporta elementos de análise suficientes para compreender o que se passa nas cabeças políticas que nos governam. É óbvio que há pecados originais na constituição do governo, dado que o seu programa pouco tem a ver com a matriz ideológica de que os partidos no poder se arrogam e então a sua prática política é absolutamente contraditória com os compromissos eleitorais. Mas o mais perturbador é ver que não há o mínimo de pudor na exposição da sua incoerência e inconsistência governativa. Os exemplos são tantos, de defesa de uma ideia hoje e do seu contrário amanhã, que se começa a acreditar que o verdadeiro objetivo final é transformar-nos num país tão surrealista que nem aqui tem cabimento o surrealismo.

Este governo vai ficar na história pelo bullying político a que nos tem vindo a sujeitar, dado que o bullying se caracteriza por um comportamento agressivo e negativo, que é executado repetidamente e que ocorre num relacionamento onde há um desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas. Para mais as técnicas usadas no bullying, estão todas presentes na ação política quotidiana do governo: insultos à vítima; espalhar rumores negativos para a depreciar; fazer comentários depreciativos sobre a família da vítima; usar de sarcasmo evidente, etc. É isto que o que o governo permanentemente nos faz.

2. Em Coimbra, estabelecem os rankings, há o melhor estabelecimento hospitalar do país e áreas de excelência no tratamento de diversas patologias, o que deve merecer não só um forte aplauso a todos os profissionais que aí trabalham mas também de nos encher de orgulho e sobretudo de determinação em contribuir para superar alguns problemas que sendo colaterais ao exercício da medicina têm consequências na perceção da competência da cidade para enquadrar a sua qualidade e sofisticação. Temos de convir que é difícil explicar a alguém que vem de fora a existência de uma elevada competência técnica, por exemplo na área da microcirurgia, quando não somos capazes de arranjar uma solução adequada de circulação e estacionamento junto dos estabelecimentos hospitalares. Isto é, sabemos resolver problemas de delicadeza e destreza a um nível ínfimo e não somos capazes de encontrar solução para questões primárias de circulação e aparcamento de viaturas. É fundamental ter presente que o contexto em que uma atividade de excelência é exercida implica igualmente um ambiente condizente e que se queremos prestar serviços altamente qualificados a clientes internacionais temos de cuidar desses parâmetros imagéticos e organizacionais, sem esquecer o que é o verdadeiro e imerecido calvário diário dos doentes e familiares, para além dos próprios profissionais de saúde, com as questões de circulação, acesso e estacionamento automóvel. É urgente que sob a liderança da Câmara e com a colaboração dos responsáveis pelos serviços de saúde se encontrem soluções inovadoras e inteligentes nesta área, porque esta é uma questão de qualidade de vida dos que aqui vivem e trabalham, um sedativo para os que procuram ajuda e uma condição de sucesso na atratividade de potencias clientes dos serviços instalados.

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

GRÀCIES JOAN MIRÓ



Para além do agradecimento que lhe é devido, pelas emoções estéticas que a sua obra nos provoca, Joan Miró deve merecer, hoje, dos portugueses um agradecimento especial porque uma parte do seu legado artístico levou a conseguir do governo português aquilo que a generalidade dos portugueses, os partidos políticos, os analistas e comentadores e até os jornalistas ainda não tinham conseguido obter: uma ideia do governo sobre política cultural.

Ficámos assim a saber, graças a este desgraçado episódio, que a cultura é no governo uma prioridade de vão de escada. Aliás, o espetáculo surreal a que estamos a assistir leva-nos à conclusão de que Oliveira e Costa tem mais sensibilidade cultural do que Passos Coelho. Não será mesmo descabido pensar que, com este primeiro ministro e o seu ajudante para a Cultura, o acervo do Museu dos Coches não venha a ser brevemente colocado numa daquela feira de carros em 2.ª mão.  

Claro que não será despiciendo esperar que entretanto virá alguém do governo ou dos partidos que o apoiam, argumentar que esta polémica foi um raro momento de divulgação cultural porque hoje por esse país fora, entre dois golos de cerveja ou o beberricar de um café, toda a gente fala no Miró como se ele fosse visita lá de casa e partilhasse os mesmos gostos clubísticos e, aí, tenho de me render foi uma boa jogada cultural.

Fica-me agora a curiosidade de saber que outras obras de arte andam lá pelos escombros do BPN, quantas é que já terão sido vendidas e quantas não estarão dependuradas em paredes privadas, dadas ao desbarato, com base no critério Oliveira e Costa de compra e venda de acções aos seus compagnons de route.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

A ETERNA CORRUPÇÃO

Sendo a corrupção um cancro social de imensa gravidade e nefastas consequências a análise do primeiro relatório da Comissão Europeia sobre anticorrupção na Europa deveria merecer uma particular atenção de todos nós, porque como muito bem diz o Dr. Guilherme d’Oliveira Martins – Presidente do Conselho de Prevenção da Corrupção: “A prevenção da corrupção faz-se por todos e todos os dias.”, e essa prevenção implica uma consciência coletiva do problema, em todas as suas dimensões.

Aliás, não deixa de ser curioso que na sondagem do Eurobarómetro 94% dos portugueses inquiridos tenha referido que não foi vítima ou presenciou casos de corrupção, ao mesmo tempo que 90% dos mesmos inquiridos referem que a corrupção é um problema totalmente generalizado no país. Ora estamos aqui perante uma situação contraditória que tem a ver com a nossa cultura e a perceção que temos do fenómeno.

Seria, por isso, interessante conhecer a resposta à pergunta sobre se alguma vez corrompeu ou tentou corromper alguém, assim como também seria interessante conhecer a percentagem daqueles que denunciaram casos de corrupção e a sua natureza.

É que, quer se queira quer não, há questões de formação e de natureza cívica que perturbam a análise e que não nos permitem uma visão clara do problema. Não será, por exemplo, que muitos dos que se queixam da corrupção e do compadrio são aqueles que frequentemente procuram o favor? Não será que muitos dos que se queixam destes males elogiam permanentemente as atitudes de esperteza dos que conseguem violar a regra ou ultrapassar os outros? Onde está a sanção social aos transgressores? Onde acaba a inveja e começa a verdadeira consciência dos atos de corrupção?

Quando 90% dos cidadãos considera qua a corrupção está generalizada no país isso não pode deixar de significar que algum ou alguns dos seus familiares ou amigos estão envolvidos nesse atos. Mas se perguntar quem são eles a resposta será a de sempre: os meus familiares e amigos são incapazes de atitudes dessas, os corruptos são os outros.

Uma das questões que, também, merecia reflexão e análise é a da instrumentalização da perceção da corrupção. É que uma forma fácil dos verdadeiros corruptos e corruptores escaparem é a de generalização do problema e da criação de classes de bodes expiatórios.

Por isso o combate á corrupção devia implicar uma atuação cirúrgica e implacável da justiça, em tempo útil e a vários níveis. Esta é uma área em que o exemplo deveria  assumir uma dimensão relevante porque estamos no campo dos comportamentos e perante um fenómeno de todos os tempos.

Mas, por falar em prevenir a corrupção, recordo o caso exemplar que vivi como deputado municipal. Perante a nomeação pelo presidente da Câmara da altura do presidente de um clube de futebol como diretor municipal do urbanismo senti-me praticamente isolado - política e socialmente - na contestação a essa decisão. Tendo colocado a questão numa perspetiva preventiva e de defesa de princípios perante uma situação inequivocamente problemática, para mais quando tanto se alertava para os perigos das relações entre autarquias, imobiliário e clubes de futebol, assisti, num cidade como Coimbra, a um enorme encolher de ombros coletivo. Aliás se houve alguém penalizado fui eu. Depois veio a acontecer um conjunto de factos que comprovaram a minha razão mas era tarde e alguns dos principais protagonistas continuaram como se nada fosse com eles. Aliás chutaram com toda impudicícia o problema para o âmbito da consciência de terceiros e hoje vivem felizes, decerto a teorizar sobre a necessidade de prevenir a corrupção.

Claro que a ausência de valores, que é a grande madre de tantas das nossas desgraças, levará a que no próximo ano, se houver novo relatório, a idênticas conclusões, a repetir a indignação e a apelar a medidas corretivas, mas até lá ficamos-nos por aqui.